A Escrita do Sintoma

Nesse diálogo informal de mais um de seus seminários em João Pessoa, Ivan Corrêa explicita, na medida em que as questões vão surgindo, “…traz(endo) a resposta quando os alunos estão a ponto de encontrá-la alguns dos temas mais importantes da psicanálise com seu estilo muito peculiar, seguindo os passos de Freud e Lacan, de percorrer os andaimes da filosofia, da lógica, da literatura, da matemática, para finalmente construir o edifício psicanalítico.

Esse edifício, como Freud, ele compara com a ficção literária, sendo “A máquina do tempo” de Wells o modelo para explicitar a questão do tempo lógico. Voltar ao passado, avançar no futuro, voltar novamente ao presente e construir a própria história: “a psicanálise se situa dentro dessa ficção” diz Ivan, revelando assim que o tempo só determina o sujeito enquanto significante.

Sendo esse sujeito atemporal, determinado pelo significante e “constituído a partir simplesmente de falas – já se falava de Édipo antes dele nascer”, podemos nos perguntar o que significa dizer que um acontecimento se passou em tal data? E que dizer da ordem cronológica dos acontecimentos? Essas questões podem ser esc1arecidas com a distinção que Ivan faz em seguida entre o nível do pensamento ou linguagem e o nível da realidade, distinção que implica numa nova questão, a questão da verdade. De que verdade trata a psicanálise? É a verdade que a psicanálise procura?

A verdade de que trata a psicanálise, continua Ivan, é a verdade do desejo inconsciente. E a procura dessa verdade corresponde à procura de um novo sentido para os acontecimentos. Ou dizendo de outra forma, corresponde à busca de acontecimentos que são o surgimento de novos sentidos. Atribuir uma data, uma época, um antes, um depois, é exatamente o movimento de’ amarração desse novo sentido. “Quem sabe faz a hora…”, diz Vandré, ou o sentido faz a data. Sentido, verdade, são ficções, situando-¬se portanto no nível do pensamento, no nível da linguagem, no nível do significante. Para um sujeito a linguagem torna ficção qualquer realidade. É essa verdade particular que a psicanálise busca, é isso que interessa à escuta analítica.

Passando em seguida pelos andaimes da lógica medieval (quadrantes de Psello) e da lógica moderna (quadrantes de Peirce) ele explica a proposição afirmativa universal demonstrando que a questão do sujeito vai da universal para a particular, exemplificando com a afirmação do pequeno Hans de que todo ser vivo tem falo – mas o falo é um significante… do poder. Qual é então finalmente a diferença entre homem e mulher? A questão do corpo e da sexualidade humana não está no nível da realidade, no nível meramente anatômico, mas é indissociável da questão do sujeito, situando-se, portanto, também no nível da linguagem: “A sexualidade humana está organizada a partir de uma outra ordem que é universal, a ordem fálica” demonstra Ivan, fazendo uma revisão das fórmulas da sexuação estabelecidas por Lacan.

Prosseguindo na questão do pensamento humano, ele fala da dívida simbólica que lhe é inerente, consequência de uma “transgressão ao desejo do Outro que nos introduziu na linguagem”. Essa dívida possibilita, no significante entanto, o acesso à castração que, passando pelo da falta no Outro, se articula diferentemente segundo as estruturas, e “permite que se possa fazer metáforas da vida”,

E como o sujeito se funda também numa “identificação a um sujeito coletivo”, a psicanálise pode extrapolar o seu campo e oferecer possibilidades de se fazerem reflexões sobre o social, o político, o histórico. Ivan conclui o seminário explicitando os matemas dos quatro discursos, “forma de dizer como os sujeitos, a partir da linguagem estabelecem suas relações com o coletivo”,

Assim transcrevemos essas falas no intuito de provocar naqueles que as lerão, como aconteceu conosco, novas interrogações sobre a linguagem, o inconsciente e a psicanálise, interrogações que certamente darão um novo impulso ao discurso psicanalítico.

Telma Queiroz