PUBLICAÇÕES

Melancolia Infantil

Pensar sobre o autismo mas, sobretudo, se deparar com uma criança autista nos mobiliza sempre inquietações e sua abordagem continua sendo alvo de polêmicas acirradas. O texto que Gabriel Balbo nos traz não tem o objetivo de apaziguar inquietações nem diminuir as polêmicas já exis¬tentes – ao contrário.

Aqui, questionando o conceito de autismo após um passeio ao longo do último século pelo desenvolvimento desse conceito, G. Balbo ao defender a idéia de que o au¬tismo “é apenas uma melancolia infantil” lança mais lenha na fogueira.

O autor afirma que o autista do modo como vem sendo definido e abordado, torna-se um ser “acéfalo e assexuado”, nem sujeito nem predicado, poderíamos dizê-Io, seguindo a relação que o autor vai fazer com a lógica proposicional e os anseios de Wittgenstein de encontrar uma lógica vazia de sentido:
“Com exceção da Torre de Babel não existe, portanto, nenhuma comunicação desprovida de sentido e de desejos, uma comunicação estritamente lógica e calculável, libera¬da de toda interferência subjetiva. A crer verdadeiramente que Frege, Russel, e Wittgenstein teria dado à palavra esta lógica vazia de todo sujeito e de todo sentido é a mesma de Kanner quando ele tenta explicar o que é uma criança autista, esforçando-se em fazer dela um ser que não possui¬ria outra linguagem a não ser a linguagem da comunicação estritamente sem sentido.”

Da mesma maneira provocadora G. Balbo nos diz que a passagem ao ato do suicida não é um momento infeliz, ao contrário, “o que permite a passagem ao ato é uma lem¬brança infantil muito feliz”, e é ao texto de Tolstoi em Anna Karenina que ele recorre para demonstrar tal afirmação. De Zenão a Goethe, de Durkheim a Freud o autor novamente passeia pelos últimos séculos nos trazendo uma síntese ri¬quíssima dos estudos e conceitos sobre o suicídio.

Maria Amélia Lyra

A Escuta Psicanalítica

“Este inconsciente, precisamente, é uma formação, lima estrutura entre o sangue do corpo e a paixão do significante, entre o imaginário e o simbólico.”

Oscar Zentner

Oscar Zentner, psicanalista argentino radicado em Melbourne desde a década de 70, tem publicado extensamente no campo da psicanálise. É fundador de The Freudian School of Melbourne, da revista de psicanálise Papers of The Freudian School of Melbourne e co-diretor de Psychoanalytic Seminars. Autêntico pesquisador da literatura, da história e da arqueologia, enfoca sobremaneira, neste livro, a lógica lacaniana, que suporta a ética e baliza o desejo do analista. Sua produção teórica, fruto de questionamentos incessantes sobre a prática clínica, é o testemunho de uma trajetória de formação cujo compromisso radical cunha a eficácia de um ensino.

“… se ‘o que se transmite não se ensina’, nada impede, todavia, que se reconheça onde houve ou não transmissão.”                                                    

Letícia Fonsêca

Problemas Cruciais para a Psicanálise

Tenho que agradecer inicialmente, aqui, ao Sr. Michel Roussan que me permitiu utilizar seu próprio trabalho para a presente edição desse seminário.

Há muitos anos Lacan era o objeto de negociatas por parte da I.P.A., junto a um certo número de alunos seus, para fazê-lo se calar. O apoio que lhe fora trazido no ano precedente por várias personalidades para obter-lhe a sala de conferência da Escola Normal Superior foi ao mesmo tempo um reconforto e um estímulo. Mas no início desse novo ano uma certa lassidão o tinha afetado. Jakobson, a quem ele participava seus embaraços, lhe tinha respondido: “Quando tu não sabes o que fazer intitulas teu curso problemas fundamentais”.

É o que vale para nós o título, Problemas Cruciais. Sem dúvida é também o que explica que haja poucas novidades nesse seminário, a garrafa de Klein vindo .aí renovar apenas muito pouco os apoios tomados precedentemente por Lacan sobre diversas figuras topológicas. Mas, o grande talento de Lacan em variar a apresentação de temas já elaborados dão, facilmente, a impressão da novidade.

Resta o tema no qual ele tinha pensado, as posições subjetivas, e ao qual ele renunciou: ele é tratado parcialmente nas últimas lições do seminário.

C.D.

O Saber do Psicanalista

As conferências aqui reunidas sob o título O Saber do psicanalista foram proferidas na capela do Hospital Sainte-Anne paralelamente ao seminário… ou pire.

Tratava-se de retomar contato mais diretamente com os jovens psiquiatras, uma preocupação que nunca o abandonou. Ainda que se imponha, de modo geral, reservar para seu seminário os elementos novos que ele pensa poder trazer, estas lições apresentam muitos desenvolvimentos que não se encontrarão alhures e cuja importância não deve ser subestimada.

C.D.

Formas Clínicas da Nova Patologia Mental

Em nome do Centro de Estudos Freudianos, gostaria de dar as boas vindas ao Dr. Charles Melman, a Telma Queiroz (nossa colega que fará o trabalho de tradução do seminário), e a todos que aqui estão presentes. Sejam todos muito bem vindos. Saibam que é uma alegria recebê-los. Quero dizer que nos sentimos muito honrados em receber o Dr.

Melman; desde já agradecemos por ter aceito o nosso convite e estar aqui hoje entre nós. Carles Melmann foi colaborador de Lacan e um dos principais dirigentes da École Freudienne de Paris, é fundador da Association Lacanienne lnternationale, tem numerosos trabalhos publicados, inclusive em português, alguns destes resultantes de conferências e cursos, como o que estará sendo lançado logo mais à noite, resultante do seminário realizado em Curitiba, em abril de 2002. O nome do Dr.

Melman está hoje identificado com o próprio avanço da Psicanálise. Através de uma elaboração extremamente articulada aos acontecimentos do nosso tempo, o Dr. Melman avalia as incidências da mutação cultural sobre o sujeito, discutindo seus efeitos, dentro de um permanente compromisso com a descoberta freudiana e lacacaniana. Passo, então, a palavra ao Dr. Melman. Mª Emilia de Carvalho Lapa.

Inventar-se Analista

Eis um entrelaçamento auspicioso de elaborações consistentes e criativas urdidas por Amélia Medeiros Oliveira e Silva na constituição do tecido que se trança na confluência da Literatura e da Psicanálise.

A hábil circulação dos conceitos nesta fímbria revela o continuum desta teia aparentemente apenas contígua. Sobressaindo, contudo, no encadeamento dos textos a continuidade homogênea dos laços que desconhecem a distância perpassada pelo tempo, para guardar somente a dimensão topológica do inconsciente que faz com que A seguido de B seja AB, sem nenhuma descontinuidade.

Assim se enlaçam estes escritos que, enodando Psicanálise e Literatura, consagram a arte do bem-dizer.
Encontramos ai a inventio – “inventar-se analista” ¬de um trajeto no qual fluem, num estilo leve e preciso, as etapas perseguidas na direção de um saber a constituir, no assíduo empenho de ensino e transmissão da Psicanálise, sustentado pelo desejo de uma conjunção entre saber e verdade.

Recife, 20 de maio de 2003.

Ivan Corrêa

De um Outro ao Outro

A presente tradução é fruto de intenso trabalho interinstitucional mobilizado por uma transferência efetiva ao ensino de Lacan e à transmissão da psicanálise, viabilizado e suportado pelo CEF-Recife em seu projeto de formação do psicanalista. Como na dupla volta da pulsão invocante, interior e exterior se sucedem, se enlaçam e se renovam e, nesse movimento, alternando-se tradução versus traição, eles se desdobram, permitindo que o legado de Lacan siga seu caminho…

Este, mais que os demais Seminários anteriormente traduzidos por nós, aportou em várias mãos, tornando-se assim difícil, por vezes, especificarmos uma nota do tradutor ou do revisor. Por outro lado, por reconhecer a importância de preservar o estilo e a subjetividade do autor, aqueles que aqui se engajaram procuraram manter-se fiéis à letra, evitando, em nome de qualquer elucidação que seja, dizer mais do que o próprio texto. Por conseguinte, as notas de tradução limitam-se ao próprio sentido das palavras, declinando-se de quaisquer esclarecimentos que possam induzir o leitor.

Agradecendo a todos que colaboraram conosco tomando possível essa edição deixamos aqui um convite para que se duplique a aposta – com sugestões, comentários ou críticas – e se impulsione a circulação do texto permitindo assim a construção e o desvelamento de novos horizontes, e que a “carta” cumpra seu destino.

L.P.F.

Nós do Inconsciente

Prezado leitor,

Vindo a lume em 1993, os “Nós do Inconsciente” retomam com o acréscimo de quatro seminários realizados no CEF-Recife, três sobre a “Angústia” e o outro sobre os “Transfinitos”. O tempo passou nestes 14 anos mas, por definição, alguns “Pontos Fixos” permanecem.
Além disso, trata-se, sobretudo, de uma ode à memória quando ingresso numa nova década. É uma repetição, é verdade, mas sem repetição não há inconsciente e sem inconsciente não há psicanálise. De todos “nós”, os “nós” que nos amarram aos sintomas podem nos desatar e nos enodar aos Sinthomes, para sabermos o que fazer com nossos “nós”.

Recife, 13 de março de 2007.

Ivan Corrêa

Da Tropologia à Topologia

“O BINÔMIO DE NEWTON
é tão belo como a Vênus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.”
Fernando Pessoa

Escrituras Lacanianas, Binômio de Newton, Vênus de Milo. Beleza ao nosso alcance a partir do invejável trabalho do Psicanalista IVAN CORRÊA, um dos fundadores do CEF, Centro de Estudo Freudianos do Recife, que através do domínio de temas apresentados, da agudeza de seu raciocínio e da clareza das suas exposições nos conduz à compreensão do complexo e difícil momento de Jacques Lacan: o Lógico Topológico ou das reformulações matemáticas. Período em que o referido psicanalista dedicou-se, sobretudo, ao registro do REAL, então como o IMPOSSÍVEL, para falar sobre o inconsciente como “UM SA-BER QUE NÃO SE SABE” elegendo o axioma NÃO EXISTE
RELAÇÃO (RAPPORT) SEXUAL;  os aforismos NÃO HÁ

OUTRO DO OUTRO, NÃO EXISTE METALINGUAGEM e ainda o Materna S(A), significante da Falta no Outro, apontando na direção da verdade, do inconsciente, apreensível sempre como NÃO TODA, exigindo novos modelos científicos, em torno da noção de INCOMPLETUDE.

É neste sentido, que caminha a fala de Ivan, nas Escrituras Lacanianas, apoiada nos matemáticos, nos filósofos e ainda nos lógicos modernos, os que puderam viabilizar e fundamentar tais ideias. É natural, portanto, a presença e as várias referências aos Estoicos e a Loudovick Wittgenstein que indo de encontro à Lógica Clássica, a predicativa ou ontológica, elegeram como campo da lógica apenas o PENSAR, campo viável através da lógica polivalente que em torno das noções de Função e Argumento prescinde dos princípios de Identidade, Contradição e do Terceiro Excluído tão caros à Lógica Clássica.

É natural, num momento da utilização da matemática como base para a estrutura das Ciências Humanas, as referências a Gottlob Frege, fundador da Lógica Moderna, a De Morgan e à sua lógica das relações e combinações, a Gõdel cuja lógica enfatiza a existência, em todo sistema, de uma falha, um buraco, uma falta a definir.

Se o momento é dedicado a estrutura do inconsciente com a de um (A), Outro Barrado, são necessárias exposições voltadas às noções de Falta, Buraco, Vazio, Nada e o trabalho realizado em torno dos conceitos de FALTA E NEGAÇÃO abordando os diversos tipos de falta: Castração, Frustração, Privação e as várias formas da NEGAÇÃO: Verneinung (Denegação), as negações de privação, de castração e de incompletude; e os mecanismos da Verleugnung (Desmentido) e da Verwerfimg (Foraclusão).

Se o momento é dedicado ao REAL, Real como gozo e gozo como satisfação da pulsão, é fundamental referências à Escrita, à Letra, para falar sobre o objeto “a”, objeto da satisfação da Pul¬ão, cuja inexistência admitida teoricamente, requer que seja apresentado, ou melhor, representado por uma notação algébrica, a letra “a”. É fundamental ainda uma abordagem sobre as Fórmulas Quânticas da Sexuação visto que permite falar sobre o Gozo Fálico, o Masculino e o Gozo Suplementar, o Feminino através de concepções estritamente lógicas que viabilizam a positividade da Falta, da castração como estruturantes, como a estrutura do Sujeito do Inconsciente.

Escrituras Lacanianas, fala preciosa, valiosa àqueles que, como nós, se interessam pela Clínica e pela Transmissão da Psicanálise, trabalho viável graças à incansável dedicação e disponibilidade de IVAN, é bem verdade, e não menos verdadeiro, consequência do esforço, interesse e carinho das Psicanalistas TELMA QUEIROZ e ICLÉA DINIZ nas infinitas horas dispensadas à tarefa de Transcrição, Revisão e Articulação das fitas gravadas, às quais, certamente, expressaremos nosso justo reconhecimento através das consultas e pesquisas realizadas a partir deste texto que felizmente colocaram em nossas mãos.

João Pessoa, 05 de Abril de 1996.

Ana Clara Pereira Coelho

Céfiso

Nesses trinta anos de existência do CENTRO DE ESTUDOS FREUDIANOS a revista CÉFISO, em sua décima sexta edição, “se apresenta por si mesma como marca impossível da escrita que nascida do zero, se contou n+ 1, dois, três… dezesseis, anunciando a continuidade na reiteração do significante.

Todos sabemos que, há mais de quarenta mil anos, o homem não só existia como pintava nas paredes das cavernas: touros e bisões, renas e cavalos. Estas figuras tinham um significado mágico como dizem os arqueólogos. Era a escrita pictográfica.

Com o tempo o homem foi descobrindo que ao desenhar o sol, por exemplo, podia estar representando o dia, a luz, ou até mesmo o calor. Este tipo de escrita chamada ideográfica já permitia contar uma pequena história ou enviar uma mensagem simples.

Os babilônios tiveram a primeira escrita bem codificada, passaram a fazer marcas calcadas na argila com um estilete de ponta triangular, a cunha. Cada conjunto de marcas significava uma palavra. Assim, esta escrita foi chamada de cuneiforme.

Os egípcios, por sua vez, criaram a escrita fonética que podia ser gravada na pedra, inventaram os hieróglifos e deixaram três mil anos de história documentados. Freud e Lacan retomam hieróglifos e fonemas à luz da psicanálise, seja como rebus na Interpretação dos Sonhos ou matema nas Fórmulas da Sexuação.

Com o vigor, a maturidade e a alegria dos seus trinta anos de existência, o CENTRO DE ESTUDOS FREUDIANOS, fundado em 1975, anunciava-se, inicialmente, através da escrita de INFORMATIVOS, transmudados, pouco tempo depois, para ENTRETEXTOS e, finalmente, em 1984, assumindo forma miticamente viva: CÉFISO – o Deus Rio, filho de Oceano e Tetis e futuro pai de Narciso, banha desde sempre a antiga Grécia e empresta seu nome à revista do CEF, rio de escritos que bordejam equívocos e enigmas inconscientes, pontas do Real, restos que não puderam ser falados.

Os textos apresentados neste número, CÉFISO – 16, são um testemunho da produção, resto do não dito, escrita inscrição, realizada pelos participantes e analistas colaboradores em nossas Jornadas e Encontros Anuais. Enfim, a revista CÉFISO é rio que corre, serpenteia, fazendo paridade, entrelaço com a revista CONTEXTOS, em sua quarta edição, – GRUPO DE PSlCANÁLISE DE MACEIÓ.

Recife, 18 de julho de 2006 Amélia Medeiros Oliveira e Silva

A criança e o adolescente no século XXI

O Congresso Internacional de Psicanálise sobre ”A criança e o adolescente no século XXI – Desafios psicanalíticos, políticos e sociais” organizado pela Association Lacanienne Internationale, pelo Centro de Estudos Freudianos do Recife e pela Escola de Estudos Psicanalíticos, marcou o momento de um excepcional encontro em que não somente a teoria e a clínica psicanalítica atingiram o que se poderia considerar um “non plus ultrà’, mas também onde a diversidade se vetorializou numa “transferência de trabalho” de grande fecundidade.

Vindos de lugares vários e de distintas culturas, estas colorações só fizeram dar mais brilho e expressivo calor as nossas intervenções. De pouco valeria nos termos reunido se não tivéssemos podido nos escutar uns aos outros numa atmosfera de agradável interlocução.

A publicação desses textos é urna tentativa de transmitir algo do que aí ocorreu no sentido do adágio latino “Verba volant, scripta manent”, mas usando uma licença paremiológica para fazer uma inversão do provérbio, “Verba manent, scripta volant”: as palavras lá permaneceram ou cada um guardou consigo. Os escritos que agora saem à lume, poderão não apenas “.’Dar e acompanhar os participantes, mas também atingir aqueles que aí não estiveram.

A conjunção da palavra e da escrita poderá minimizar o impossível da linguagem de tudo dizer, mesmo que a exuberância do significante produza urna verdadeira assintotia, que podemos nomear objeto a.

Ivan Corrêa

Recife, 18 de abril de 2009

A Lógica do fantasma

Esta tradução é efeito de transferência de trabalho inter institucional, tendo por objetivo principal fornecer subsídios para o estudo, a partir da leitura textual da obra de Jacques Lacan. Realizada a partir do texto estabelecido pela Association Lacanienne Internationale, destina-se ao uso exclusivo dos seus membros, bem como dos participantes do Centro de Estudos Freudianos do Recife, não tendo qualquer finalidade comercial.

Os tradutores e revisores que colaboraram nessa tarefa, reconhecendo a importância de preservar o estilo e a subjetividade do autor, procuraram manter-se fiéis à letra, evitando qualquer elucidação que pudesse induzir o leitor. Assim, os mistérios foram suportados, as dúvidas e os enigmas passados adiante, deixando-se ao leitor a oportunidade de saboreá-los.

Agradecendo a todos que colaboraram conosco tornando possível esta edição, fica aqui um convite àqueles que queiram levar adiante este projeto, para contribuir com sugestões ou correções, que serão bem-vindas, impulsionando e fazendo circular a palavra de Lacan.

Letícia P. Fonsêca

A Identificação

Esta tradução é efeito de uma transferência de trabalho interinstitucional, em lugares onde o ensino de Lacan se inscreve, se processa e se desdobra. Permite-nos inscrever mais um passo no objetivo principal: fornecer subsídios para o estudo, a partir da leitura textual da obra de Jacques Lacan. Ora, como a carta roubada, esse legado passa adiante. Dá-se, assim,.continuidade ao ensino e transmissão da psicanálise, tecendo¬se novos laços e abrindo-se novas perspectivas de interlocução.

Reconhecendo a importância de preservar o estilo e a subjetividade do autor, os tradutores e revisores procuraram manter-se fiéis à letra, evitando qualquer elucidação que pudesse induzir o leitor. Assim, os mistérios foram suportados e os enigmas passados adiante, deixando-se ao leitor o direito de saboreá-Ios.

Realizada inicialmente a partir das notas estenografadas dos seminários de Lacan e, a seguir, cotejada pelo texto estabelecido pela Association freudienne internationale, esta tradução destina-se ao uso exclusivo dos participantes do Centro de Estudos Freudianos do Recife, não tendo qualquer finalidade comercial.

Agradecendo a todos que colaboraram conosco tornando possível esta edição, fica aqui um convite àqueles que queiram levar adiante este projeto, através de sugestões ou correções, que serão sempre bem-vindas, fazendo circular a palavra de Lacan.

L F.

A Escrita do Sintoma

Nesse diálogo informal de mais um de seus seminários em João Pessoa, Ivan Corrêa explicita, na medida em que as questões vão surgindo, “…traz(endo) a resposta quando os alunos estão a ponto de encontrá-la alguns dos temas mais importantes da psicanálise com seu estilo muito peculiar, seguindo os passos de Freud e Lacan, de percorrer os andaimes da filosofia, da lógica, da literatura, da matemática, para finalmente construir o edifício psicanalítico.

Esse edifício, como Freud, ele compara com a ficção literária, sendo “A máquina do tempo” de Wells o modelo para explicitar a questão do tempo lógico. Voltar ao passado, avançar no futuro, voltar novamente ao presente e construir a própria história: “a psicanálise se situa dentro dessa ficção” diz Ivan, revelando assim que o tempo só determina o sujeito enquanto significante.

Sendo esse sujeito atemporal, determinado pelo significante e “constituído a partir simplesmente de falas – já se falava de Édipo antes dele nascer”, podemos nos perguntar o que significa dizer que um acontecimento se passou em tal data? E que dizer da ordem cronológica dos acontecimentos? Essas questões podem ser esc1arecidas com a distinção que Ivan faz em seguida entre o nível do pensamento ou linguagem e o nível da realidade, distinção que implica numa nova questão, a questão da verdade. De que verdade trata a psicanálise? É a verdade que a psicanálise procura?

A verdade de que trata a psicanálise, continua Ivan, é a verdade do desejo inconsciente. E a procura dessa verdade corresponde à procura de um novo sentido para os acontecimentos. Ou dizendo de outra forma, corresponde à busca de acontecimentos que são o surgimento de novos sentidos. Atribuir uma data, uma época, um antes, um depois, é exatamente o movimento de’ amarração desse novo sentido. “Quem sabe faz a hora…”, diz Vandré, ou o sentido faz a data. Sentido, verdade, são ficções, situando-¬se portanto no nível do pensamento, no nível da linguagem, no nível do significante. Para um sujeito a linguagem torna ficção qualquer realidade. É essa verdade particular que a psicanálise busca, é isso que interessa à escuta analítica.

Passando em seguida pelos andaimes da lógica medieval (quadrantes de Psello) e da lógica moderna (quadrantes de Peirce) ele explica a proposição afirmativa universal demonstrando que a questão do sujeito vai da universal para a particular, exemplificando com a afirmação do pequeno Hans de que todo ser vivo tem falo – mas o falo é um significante… do poder. Qual é então finalmente a diferença entre homem e mulher? A questão do corpo e da sexualidade humana não está no nível da realidade, no nível meramente anatômico, mas é indissociável da questão do sujeito, situando-se, portanto, também no nível da linguagem: “A sexualidade humana está organizada a partir de uma outra ordem que é universal, a ordem fálica” demonstra Ivan, fazendo uma revisão das fórmulas da sexuação estabelecidas por Lacan.

Prosseguindo na questão do pensamento humano, ele fala da dívida simbólica que lhe é inerente, consequência de uma “transgressão ao desejo do Outro que nos introduziu na linguagem”. Essa dívida possibilita, no significante entanto, o acesso à castração que, passando pelo da falta no Outro, se articula diferentemente segundo as estruturas, e “permite que se possa fazer metáforas da vida”,

E como o sujeito se funda também numa “identificação a um sujeito coletivo”, a psicanálise pode extrapolar o seu campo e oferecer possibilidades de se fazerem reflexões sobre o social, o político, o histórico. Ivan conclui o seminário explicitando os matemas dos quatro discursos, “forma de dizer como os sujeitos, a partir da linguagem estabelecem suas relações com o coletivo”,

Assim transcrevemos essas falas no intuito de provocar naqueles que as lerão, como aconteceu conosco, novas interrogações sobre a linguagem, o inconsciente e a psicanálise, interrogações que certamente darão um novo impulso ao discurso psicanalítico.

Telma Queiroz